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quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Urutau: ave-fantasma



Por..:: Fernando Costa Straube
Mülleriana: Sociedade Fritz Müller de Ciências Naturais.

O nome já diz tudo: uma corruptela do guarani guyra (ave) e táu (fantasma) fez "urutau", nome de uma das aves mais cultuadas na cultura do sertanejo e curiosamente pouco conhecida da maior parte do povo brasileiro.
 
Emblemático e misterioso, aparece em lendas, contos, poesias e no imaginário, pelo meio rural e até nas grandes cidades, onde às vezes sua presença inusitada aparece divulgada pela imprensa. Mas é, antes de tudo, um desconhecido: mais é conhecido pela fama do que pela ave em si.

Na realidade, são raras as pessoas que já viram um deles, ou que escutaram o seu belíssimo canto noturno.

Figura 1. A espécie mais comum desta família é o Nyctibius griseus, que ocorre desde a Costa Rica até o Uruguai (Foto: Cassiano Gatto).

Já no período quinhentista, essa ave fascinante foi mencionada pelo Padre Francisco Soares, no clássico "Coisas notáveis do Brasil", de 1594. Também aparece em diversas outras crônicas e obras descritivas posteriores, sobre o Brasil e países vizinhos. Uma delas é o "Libri Picturati", série de iconografias do Período Mauriciano e a outra "Historiae Rerum Naturalium Brasiliae" de George Marcgrave (1648), onde o urutau é tratado por "ibijau"

OS URUTAUS
Urutau não tem só um: só no Brasil são cinco espécies, todas pertencentes à família dos nictibiídeos (em latim, Nyctibiidae) e ao gênero Nyctibius, grupo que é restrito às regiões mais quentes do continente americano. São aves exclusivamente noturnas, dotadas de cabeça larga e achatada, bico e pernas pequenos e enormes olhos. As asas e cauda são consideravelmente longas e o corpo robusto e musculoso. A coloração, especial para a camuflagem, apresenta-se acinzentada a marrom, invariavelmente com pintalgos e manchas pretas, cinzentas e marrom-claras de vários tons, tamanhos e formas, dispersas pelo corpo, que é sempre mais escuro na região dorsal (figura 1).

De uma maneira geral, os urutaus são estranhos aos padrões com que estamos acostumados a conceber as aves. Trata-se, talvez, de um daqueles dilemas de estética: são feios pelos grandes e ameaçadores olhos, que se posicionam próximos à boca, colossalmente desproporcional ao bico. Ao mesmo tempo são bonitos pelo tanto de insólito que têm essas mesmas características.

Das espécies brasileiras, a mais comum é o Nyctibius griseus, que ocorre tanto nas florestas densas quanto nas bordas de mata, capoeiras e até mesmo em árvores isoladas das grandes cidades. Se comparado com as outras espécies, esse urutau tem tamanho médio, aproximadamente uns 40 cm e peso que varia entre 150 e 190 gramas. Distribui-se desde a Costa Rica, na América Central e por quase toda a América do Sul, com exceção das zonas mais frias da região andino-patagônica.

As outras espécies são menos conhecidas, mas igualmente enigmáticas. Dentre elas, destaca-se a enorme mãe-da-lua-gigante (Nyctibius grandis), com quase meio metro de comprimento total e envergadura de asas com o dobro disso, podendo chegar a um peso que supera meio quilograma. Essa ave ocorre desde a América do Norte, no México até os limites subtropicais sul-americanos (estados de São Paulo e Rio de Janeiro), sendo comum na Amazônia e no Brasil Central. Quase do mesmo tamanho é a mãe-da-lua-parda (Nyctibius aethereus), amplamente distribuída na América do Sul e considerada rara, uma vez que foi pouquíssimas vezes encontrada pelos estudiosos.

Uma espécie menor é o urutau-de-asa-branca (Nyctibius leucopterus) que, como o próprio nome já diz, apresenta uma mancha alva na base das asas, que pode ser vista quando a ave alça vôo. Vive nas florestas da Amazônia, sendo também encontrada na região nordeste do Brasil e alguns países fronteiriços. Há, ainda, o urutau-ferrugem (Nyctibius bracteatus) que, tal como a espécie anterior, é pouco conhecido, distinguindo-se dele pelo menor tamanho (cerca de 25 cm) e pela plumagem cor-de­ ferrugem muito vistosa, pintalgada por máculas brancas. Também se distribui pela região amazônica, englobando os vizinhos Guiana, Colômbia, Equador e Peru.

De acordo com a região, os membros dessa curiosa família têm denominações diferentes. No Brasil, urutau é sinônimo de mãe-da-lua, manda-lua, ibijaú, chora-lua, preguiça, jurutau, jurutauí, urutágua, urutago, urutauí, urutavi e cacuí. Em outros países onde ocorre, o vernáculo é igualmente rico: urutaú (Argentina), guajojó, uruta (Bolívia), urutau, guaimingüe, judío (Paraguai). Em inglês, o nome genérico é onomatopéico: potoo.

HÁBITOS
São aves exclusivamente insetívoras, tendo especial predileção por invertebrados grandes, que compensem o gasto energético despendido para persegui-los. De comportamento calmo e observador, o urutau pode capturar grandes besouros, mariposas e outros animais, lançando-se rapidamente com vôos de assalto na direção destes, capturando-os nos troncos ou sob as folhas. Em geral prefere caçá-los em vôo, quando os apreende graças ao formato de sua boca descomunalmente grande.


Figura 2. Onde está o urutau? Além da postura tradicional, quando se empoleira na ponta de um tronco oco, essa ave também pode assumir outros tipos de posição, visando a mais perfeita camuflagem. (Foto: Ronald Rosa).

Arborícolas por excelência, não descem ao solo. Pousam geralmente na ponta de troncos mortos, parecendo um prolongamento destes, mas também em posição transversal a galhos mais grossos, hábito mais reservado ao período noturno; gostam também de estipes de palmeiras mortas e mourões de cerca.

Tal como muitos outros organismos que passam totalmente desapercebidos de nossa visão em plena região central das cidades grandes, o urutau também pode ser encontrado nas metrópoles. Isso mesmo! E, tal como no mato, ele confia na sua camuflagem, permanecendo estático nas árvores da arborização urbana. Ali, raramente é visto, exceto quando alça vôo, durante a noite, para se deslocar de um local a outro ou simplesmente para caçar os grandes insetos que lhe aparecem à frente. Nessas situações, abre as asas e assume um deslocamento errante, porém decidido, sendo possível notar a longa cauda auxiliando o ziguezaguear por entre as árvores e postes de iluminação. Também na mata seu comportamento é esse, mais parecido com um fantasma grisalho de vôo silencioso como o das corujas:
 
Não constroem ninho. Tudo o que fazem, no período de reprodução, é depositar um único ovo em alguma forquilha de galho grosso a grande altura ou numa cavidade natural de seu poleiro noturno, onde permanecem em atividade de choco. O ovo é esbranquiçado com pequenas manchas cinzento-violáceas e pardacentas, e mede aproximadamente 4,0 x 2,5 cm.
 
Demora cerca de um mês para ser devidamente incubado e dele sai um filhotinho quase todo coberto de fina e macia penugem branca, com algumas manchas mais escuras. Logo após o nascimento, o pequeno urutau precisa aprender que a magnífica camuflagem de seu corpo não basta para sua defesa. A imobilidade faz parte da arte de se ocultar. Assim, agarra-se firmemente ao poleiro, raramente se movendo e ficando, assim, parecido com um pedaço apodrecido de galho.

Com o tempo, o jovem vai adquirindo uma cor mais escura e as penas das asas e cauda acabam por se desenvolver por completo após cerca de 50 dias . Trata-se de um dos períodos mais longos entre a desova e o abandono do "ninho" dentre todas as aves da América do Sul, o que pode ser interpretado como uma comprovação da eficiência de sua capacidade de camuflagem (Sick, 1997)

BOCA E BICO
Um assunto interessante, lembrado sempre que se fala de urutaus, é a relação entre boca e bico, aspectos que em geral são tidos como sinônimos, mas que, para essas aves, se distinguem bastante. O bico do urutau é, tal como nas outras aves, um apêndice córneo que se forma encapsulando o osso maxilar. Nessas aves, porém, ele é extremamente desproporcional ao tamanho da boca, uma vez que é muito pequeno, enquanto essa é enorme, lembrando a de um grande sapo. Numa mãe-da-lua-gigante (Nyctibius grandis), por exemplo, o bico chega a dois centímetros ou pouco mais, enquanto sua boca - aberta - pode alojar um punho cerrado de um homem chegando, portanto, a quase oito centímetros de diâmetro.

Além disso, ela parece ter uma grande importância no controle da temperatura interna do animal: "A pele da boca é ricamente vascularizada e serve à termorregulação quando a ave está em pleno sol no poleiro diurno, o que acontece freqüentemente; nessas ocasiões, a ave, com o bico constantemente um pouco aberto, ofega descarregando o calor excessivo pela grande superfície do sistema vascular da garganta", ensina Sick (1997).

OLHO MÁGICO
Urutaus têm invariavelmente olhos enormes Afinal, grandes globos oculares têm muita utilidade para animais de vida noturna, pois favorecem uma considerável entrada de luz no cristalino, permitindo que as imagens sejam muito mais facilmente divisadas em momentos de escuridão.

Entretanto, não é apenas essa característica que chama a atenção nessas aves. Uma das adaptações mais curiosas encontradas na avifauna brasileira está no fato deles poderem enxergar tudo o que se passa nas imediações de seu poleiro, mesmo estando com os olhos fechados!

Essa característica foi descoberta em 1940 pelo ornitólogo Helmut Sick, ao notar que "...quando fecha os olhos notam-se, em sua pálpebra superior, duas incisões (...) ou fendas pelas quais a ave é capaz de observar os arredores de 'olhos fechados', isto é, sem abrir as pálpebras; têm, pois, o efeito de um 'olho mágico' (Sick, 1997)". Tal detalhe não é conhecido em nenhuma outra ave e torna-se ainda mais útil para sua já eficiente camuflagem se considerarmos que "o bulbo saliente do olho e a arrumação compacta das penas acima dele permitem a visão para cima e para trás, sem necessidade de mexer a cabeça" (Sick, 1997).

O CANTO
O canto do urutau é uma das manifestações sonoras mais impressionantes da região neotrópica. Consiste de três, quatro, cinco ou mais notas, sempre decrescentes, que são emitidas enquanto a ave se posiciona com as asas semi-abertas e a cabeça voltada para baixo, a qual é movimentada de um lado para o outro lentamente, acompanhando o ritmo. O canto, por si só, já é plangente. Fica ainda mais parecida com uma manifestação de tristeza quando é possível observar também esse comportamento.

De fato, nas noites silenciosas da mata, quando o muito que se ouve é o cricrilar dos grilos, o canto do urutau se destaca. E, pelo timbre, associa-se a um lamento compreensivelmente inspirador de tantas lendas a seu respeito. Depois que canta, parece que nada mais se ouve, ficando nossos ouvidos hipnoticamente atentos ao estranho repertório, aguardando nova estrofe.

"Vamos dormir numa praia bem espaçosa e tudo é silêncio à nossa volta. Apenas, de onde a onde, ouve-se o grito de um urutau"
(G. Cruls, 1930: A Amazônia que eu vi)

"Todo o mundo dormindo. Só o chochôrro mateiro, que sai de debaixo dos silêncios, e um ô-ô-ô de urutau, muito triste e muito alto"
(J. Guimarães Rosa, 1956: Grande sertão: Veredas)

CAMUFLAGEM
A característica mais marcante do urutau é a camuflagem. E, obviamente, os artifícios a que se lança para se esconder. Para começo de conversa ele não gosta muito de empoleirar-se como as outras aves, daquele jeito transversalmente ao poleiro. Até faz isso, dependendo da situação ou dos tipos de poleiros disponíveis em seu hábitat (figuras 2 e 3). O urutau gosta mesmo é de ficar na ponta de um tronco morto, de preferência que tenha largura parecida à de seu corpo, onde possa apoiar confortavelmente as asas e recostar a cauda.

Mas não é qualquer tronco que serve para ele: tem de ter uma casca rugosa e, de preferência, cheia de liquens, musgos e outros detalhes que lhe deixam ainda mais escondido. Parece mesmo um prolongamento da madeira apodrecida, situação que lhe é ainda mais favorável por causa do formato de sua cabeça, cujo bico é pequeno e praticamente afasta-se da convencional silhueta de uma ave.

Qualquer um que passe pelo tronco não o verá ali, mesmo que esteja exposto ao sol mais claro do meio-dia. Normalmente acaba flagrado apenas porque alguém mais atento notou que "o pau se mexia" ou, eventualmente, durante o bocejo. Via de regra, Trata-se de um mestre na camuflagem. E algo sobre esse assunto deve ser lembrado: não vamos confundir camuflagem com mimetismo, como tantas vezes se vê por aí. O primeiro é o que nos traz de exemplo o urutau, as borboletas que têm a mesma cor do substrato em que pousam e todos os animais cuja cor se confunde com a do hábitat. Nada mais é do que uma adaptação do animal para se esconder em seu ambiente. Já o mimetismo envolve modificações evolutivas complexas: é o fenômeno que é observado quando um animal é muito parecido a outro, mostrando uma convergência em padrões de coloração, forma, som e até odores.

Figura 03. São verdadeiros mestres em camuflagem! Na foto, uma mãe-da-lua-gigante (Nyctibius grandis) em seu poleiro. (Foto: Pedro C. Lima).

Fonte..:: Portal do Meio Ambiente

(papo de biologia)

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