Relata o Padre Jose de Anchieta, em 1560, na sua Carta de São Vicente , sobre o território onde se ergueria a cidade de São Paulo, então chamada de Piratininga, e sobre o “movimento do tempo”:
“Todavia, em Piratininga, que fica no interior das terras, a 30 milhas do mar, e é fornada de campos espaçosos e abertos, e em outros que se lhe seguem para o ocidente, a natureza procede de tal maneira que, se os dias se tornam extremamente cálidos por causa do calor abrasador (cuja maior fôrça é de novembro a Março), a vinda da chuva lhes vem trazer refrigério: cousa que aqui acontece agora. Para explicar isso em breves palavras: no inverno e no verão há grandes chuveiros, que servem para temperar os ardores do sol, de sorte, que precedem de manhã ao estio, ou vêm à tarde. Na primavera, que principia em Setembro, e no estio, que começa a vigorar em Dezembro, as chuvas caem abundamentemente, com grande tormenta de trovões e relampagos.
Então, há não só enchentes de rios, como grandes inundações dos campos; nessas ocasiões, uma imensa multidão de peixes, que saem das águas para pôr ovas, deixam-se apanhar sem muito trabalho entre as ervas, e compensam por algum tempo o dano causado pela fome que trouxera a subversão dos rios. Assim, êste tempo é esperado com avidez, como alívio da passada carestia: a isto chamam os índios de piracema, isto é, “a saída dos peixes”; por enquanto, duas vezes cada ano, quase sempre em Setembro e Dezembro e algumas vezes mais freqüentemente, deixam os rios e se metem pelas ervas em pouca água para desovar; mas no estio, como é maior a inundação dos campos, saem mais consideráveis cardumes e são apanhados em pequenas redes e até mesmo com as mãos, sem aprêsto nenhum.
Finalmente os grandes calores do verão são moderados pela muita abundancia de chuvas; no inverno, porém (passado o outono que, começando em Março, acaba numa temperatura agradável), cessam as chuvas; a fôrça do frio torna-se horrível, sendo maior em Junho, Julho e Agosto; nesse tempo vimos muitas vezes não só as geadas espalhadas pelos campos a queimarem arvores e ervas, como também a superfície da água toda coberta de gêlo. Então esvasiam-se os rios e baixam até o fundo, de sorte que se acostuma apanhar à mão, entre as ervas, grande porção de peixes.”
“...Encontram-se também entre nós as panteras, das quais há duas variedades: umas são de cor de veado, menores essas e mais bravias; outras são malhadas e pintadas de várias cores:destas encontram-se em todos os lugares (1); os machos, pelo menos, excedem no tamanho a um carneiro, embora grande, pois as fêmeas são menores; são em tudo semelhantes aos gatos e boas para se comerem, o que experimentamos algumas vezes; são de ordinário medrosas e acometem pela retaguarda; dotadas porém de grande força, cm um só golpe faz unhas ou uma dentada dilaceram tudo quanto apanham; escondem as presas debaixo da terra, segundo afirmam os Índios, e ai as vão comendo até consumirem. São de extrema ferocidade, o que, conquanto possa ser comprovado por muitos fatos, que sucessivamente e de quando em quando se dão, bastará referir dois ou três para mostrá-lo”.
(1) As duas espécies de Felídeos, mencionadas por Anchieta, são a onça parda ou sussuarana (felis concolor L.) e a onça pintada ou jaquar (felis onça L.).Além dessa, que são as maiores, há mais sete na fauna brasileira.( Nota de o Dr. Afrânio do Amaral, diretor do Instituto Butantan, dr. Oliverio Mario de Oliveira Pinto, assistente do Museu Paulista, e sr. Pio Lourenço Corrêa, para a edição “Caderno No 7 da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica – Carta de São Vicente- 1560”.
Fonte..:: RBMA - Reserva da Bisfera da Mata Atlântica
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