Por..:: Leandro Altheman*
Após
a sua aposentadoria em 1971, mudou-se definitivamente para Praia
Grande, no Boqueirão. Em pouco tempo, a pesca deixou de ser uma
atividade meramente recreativa, para tornar-se um estilo de vida.
José
por sua experiência e destreza, ganhou o respeito dos demais, trazendo
fieiras cheias de belos robalos, que mais tarde comeríamos fritos. Para
proteger do sol uma pequena área calva em sua cabeça, nunca deixava de
usar um boné, o que lhe valeu o apelido de “Zé do Boné”.a sem peixe ou
“comeu ovo” como dizem no linguajar dos pescadores.
Muita
gente em Praia Grande ainda deve se lembrar da emblemática figura que
todas as manhãs saia para pescar no “Casco do Navio”, retornado quase
sempre, com sua fieira repleta de robalos, embetaras, por vezes algum
baiacu, que por saber lhe tirar o veneno, não dispensava.
“Zé do Boné” era o apelido entre os amigos pescadores do Sr. José Altheman.
Natural
de Amparo, na região serrana de São Paulo, José iniciou cedo a vida na
roça, como a maioria das pessoas de sua geração. Nascido no ano de 1920,
neto de uma família de suíços alemães que chegaram ao Brasil nos
primórdio da imigração. Contudo, não chegou a conhecer seus ascendentes.
Jovem, mudou-se para Campinas-SP para trabalhar nos cafezais da região.
Aos 18 foi viver finalmente em São Paulo, por
ocasião do serviço militar. Ingressou como operário em diferentes
fábricas, ficando mais tempo em uma das empresas do grupo Souza Cruz,
que produzia as embalagens para cigarros. Foi pioneiro na luta dos
trabalhadores daquele tempo e membro fundador do sindicato dos gráficos,
e como tal, lutou por melhores condições sanitárias para os operários.
Começou
a freqüentar o balneário ainda na década de 60, antes da emancipação
política de Praia Grande. Onde passou a dedicar-se à pratica da pesca
esportiva no casco do navio
..:: A Pesca como Estilo de vida

Acordava
antes do sol nascer, preparava suas iscas e partia em direção ao mar,
não sem antes consultar a tabela de marés. Além da vara e do molinete,
levava consigo outros apetrechos a maioria, de fabricação própria. Como
por exemplo os “porta-iscas” – pedaços de cano furados com uma tampa
presa a um elástico, aonde iam os “pitus” que ele mesmo criava em
tanques.
A caixa de isopor com o restante das
iscas ficava na praia, protegida às vezes por um guarda- sol, enquanto
José entrava na água, atravessando a nado o primeiro e o segundo canal.
Por horas a fio, permanecia de pé, lançando o anzol com a isca no
cardume que seus olhos pareciam enxergar sob as ondas.
Foram raras as ocasiões em que voltou para casa sem peixe ou “comeu ovo” como dizem no linguajar dos pescadores.

Em
novembro de 1980, veio o seu maior feito como pescador. Retirou das
águas, exatamente do “Casco do Navio”, (até onde eu saiba) o maior
exemplar de robalo já pescado naquela área e sob aquelas condições:
17.900 gramas e 1 metro de dez centímetros de comprimento.
E
para não virar “história de pescador”, foi tudo documentado em fotos. O
narrativa emocionante da luta do velho pescador com aquele peixe
valente foi ao ar no programa “o pulo do gato” da rádio bandeirantes.
Uma história que nos faz lembrar o “Velho e o Mar” de Ernest Hemingway.
Zé
do Boné e o robalo de quase 18 quilos foram retratados também em uma
matéria da Revista Acampamento, especializada em caça e pesca.
..:: O “corrupto”
Na
década de 80 mesmo, começou a se popularizar entre os pescadores o uso
do “corrupto” como isca.
Meu avô não soube dizer exatamente quem trouxe a
moda entre eles. Mas o fato é que o “corrupto” sempre esteve lá,
naqueles insuspeitáveis “furinhos” respirando sob a areia. As bombas
feitas de cano de PVC, como um êmbolo de sucção revelavam o aspecto
inédito daquela criatura que parecia ter saído dos filmes de ficção. Ao
invés de patas ou nadadeiras, anéis circulares, e uma casca quase
translúcida que revela todo o interior do bicho, às vezes somados de
milhares de minúsculas ovas avermelhadas.
Era
divertido acompanhar meu avô na “prospecção” ao “corrupto”, quase sempre
era acompanhado por dezenas de turistas interessados naquela estranha
atividade.
No fim, “corrupto”, acabou por quase aposentar o “pitu”.
..:: Vivência
Os dias, horas e minutos que passei ao lado de meu avô foram para mim inestimáveis. Hoje

vivendo na Amazônia percebo o valor que os índios dão para o contato
direto entre avôs e netos. A transmissão do conhecimento vivo de uma
geração para outra é um tipo de aprendizado que jamais escola alguma
poderá substituir. É o tipo de saber que transcende as disciplinas dos
bancos escolares e que se torna presente na alma, de modo indelével.
Ainda
hoje me lembro da cor do nascer do sol da janela de meu avô e de sua
disposição em sair para pescar. Do cheiro de maresia em suas roupas, de
como mesclava tão bem seus modos severos com um senso de humor incrível.
Guardando em um sorriso discreto um indisfarçado prazer em estar vivo.
Sou grato à Deus por ter tido esta oportunidade de convívio com meu avô.
..::Partida
Os
anos de pescaria lhe deram muita saúde e disposição física. Não me
lembro dele doente ou queixando-se daquelas dores que são sempre comuns à
terceira idade. Tinha uma saúde e uma disposição de ferro.
Talvez
por isso mesmo, fomos todos pegos de surpresa quando no dia 12 de
outubro de 2005, José Altheman ou “Zé do Boné” fez a sua passagem.
Era
um dia comum e naquela manhã mesmo ele havia ido pescar, trazendo
consigo alguns robalos. Limpou os peixes, como era acostumado,
guardou-os no freezer, tomou um banho e deito-se para esperar o almoço.
Acordou com uma forte dor no peito e depois de recobrar os sentidos,
teve tempo apenas de se despedir da sua “Nêga”, Dona Hilda Favalli
Altheman, que o acompanhava há mais de 50 anos.
..:: Despedida
Trabalhando
como reporter de rádio na distante Cruzeiro do Sul-AC extremo oeste do
Brasil recebi a notícia entre uma reportagem e outra. Chorei muito, não
pela inevitável morte ter chegado para meu avô, mas por não ter podido
me despedir convenientemente.
Notei que horas
antes de receber a notícia enquanto fazia uma reportagem que meu jeito
bem-humorado de viver me lembrava muito de meu avô. Recordei dos
ensinamentos dos índios que dizem que nossos ancestrais vivem em nós e
em toda natureza à nossa volta.
Embarquei no
primeiro vôo para São Paulo, ainda a tempo da última despedida. Conforme
seu último desejo foi cremado e eu, seu neto mais velho, tive a honra
de lançar suas cinzas no mar em que sempre esteve sua vida.
Suas cinzas receberam o abraço final da Rainha do Mar, a quem eu rogo que o tenha em bom lugar.
*Leandro Altheman é jornalista e vive em Cruzeiro do Sul-AC. É autor do blog Terranauás.
Fonte..:: Nuke Yurá - Notícias do Ninho
***Gostaríamos de agradecer publicamente ao Jornalista Leandro Altheman por compartilhar a linda História. Nossa conversa começou com um belo relato em uma postagem no Blog Mago do Turismo no início de janeiro. Na ocasião convidamos o mesmo a relatar histórias e enviar imagens do Pescador José Altheman, o "Zé do Boné". Eles nos enviou as informações, as quais compartilhamos agora com vocês. Esta é a função do Blog Mago do Turismo, divulgar e multiplicar. Caso você, leitor do Blog Mago do Turismo queira publicar matérias, imagens ou até comentar publicações entre em contato conosco!!
(fatos_históricos, fotos_antigas)
Fico muito feliz que a tenham publicado no Blog Caiçara. como já disse anteriormente, parte importante da minha vida foi em PG e ao lado de meu avô. Oportunamente farei outras postagens. caso seja do interesse de vcs posso fazer uma postagem sobre o ecotursimo no Acre, que está em vias de implantação, mas tem grande potencial tb.
ResponderExcluirObrigado
Leandro Altheman
Olá Leandro!!!
ResponderExcluirfique à vontade!!!
Agradecemos
Olá, achei interessante suas histórias.
ResponderExcluirQuando puder apareça no Vida de um Carreteiro.
Seja bem vindo.
Um abraço.