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quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Artigo Ruínas Abarebebê - Passado e Presente - Peruíbe e sua História


Autor: Arquiteto Rafael Miranda 
Orientadora: Professora Doutora Cássia Magaldi

          As ruínas da igreja de São João Batista são um marco importante para a cidade de Peruíbe, tanto para o turismo quanto para a pesquisa do histórica do desenvolvimento da cidade. As ruínas da igreja levam o nome "Abarebebê", que significa "padre voador", na língua indígena, por causa do padre Leonardo Nunes, figura muito importante que, segundo a lenda, possuía grande habilidade de se locomover a grandes distâncias em um curto espaço de tempo, tão rápido quanto um pássaro em pleno voo. Este morreu no ano de 1554, após um naufrágio e, segundo a lenda, a igreja foi iluminada durante a noite de sua morte por vaga lumes e pirilampos.


1 - Apresentação
A principal intenção deste trabalho é valorizar o sítio histórico e arqueológico Ruínas do Abarebebê, que é de grande valor para a história da cidade de Peruíbe e do Brasil. É possível notar a importância das ruínas para a população de Peruíbe, que consideram o padre Leonardo Nunes e os jesuítas como heróis para a cidade. Existem algumas lendas sobre o local. Uma delas é a história que milhares de vaga-lumes e pirilampos iluminaram as ruínas no dia da morte do padre Leonardo Nunes. Muitos moradores ficam revoltados com a atual situação das ruínas e cobram dos governantes uma melhoria imediata do local. Muitas vezes, essa cobrança também é feita através internet, por blogs de moradores locais e até mesmo sites de jornais reconhecidos, como por exemplo, essa notícia postada pela Folha de São Paulo no dia 03/04/2011 as 09h15:

“Foi assim que a Folha encontrou o lugar na última quinta-feira. Um papel pregado a durex indicava que o "testemunho da colonização do Brasil" é aberto à visitação de quarta a domingo, das 11h às 17h. Mas a porta estava fechada e não havia vigia. O mato chega a um metro de altura e, no meio das ruínas, as pedras ficam escondidas sob o capim. Trepadeiras, samambaias e até uma caixeta -que alcança grande porte- saem dos muros”.

          Foi postado no blog Boca de Rua o abandono do governo municipal para o sitio arqueológico:

“Assim é visto o ponto turístico, atrás das grades, do lado de fora, que podem apostar, se tivéssemos governo sério e responsável, ou se fosse em outro local estaria sendo muito bem preservado, mas como, infelizmente o nosso governo de nada entende de administração pública, governa como se fosse uma brincadeira de criança”.

          Devido a sua importância, o sítio vem sendo estudado durante aproximadamente três décadas, através de um convênio realizado entre a prefeitura do município de Peruíbe e o Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Os estudos e as escavações foram coordenados pela Dra. Dorath Pinto Uchôa. 

Até pouco tempo atrás, a situação das ruínas da igreja de São João Batista piorava a cada dia, devido à falta de cuidados das pessoas que as visitavam, falta de monitoria, segurança e a própria ação do tempo. Atualmente a situação está melhor, a prefeitura criou um sistema de visitas monitoradas, diminuindo o risco de degradação das ruínas pelas pessoas. O sítio hoje se encontra fechado e é pedido o valor de um real (não é obrigatório pagar, o valor é uma contribuição para a manutenção) para a entrada no sítio arqueológico. O horário de visitação é de quarta a domingo das 11h00min às 17h00min. 

          Mas mesmo com todas as melhorias feitas pela prefeitura, o sítio ainda não recebe o devido valor, ainda existe certo abandono do local e faltam investimentos para a melhoria do entorno. Os turistas ou qualquer outra pessoa que deseja visitar as ruínas devem ir durante o dia, porque no fim da tarde a visitação se torna quase impossível. Falta iluminação no local, no seu entorno, muitas das ruas de acesso não estão asfaltadas e é um local de poucos moradores. Outros pontos negativos são os insetos como moscas e pernilongos que existem em abundância no local. Tudo isso se torna um grande problema não só para as ruínas e para as pessoas, mas para toda a cidade de Peruíbe, que sobrevive do turismo e possui poucos lugares de interesse histórico. 
  
2 - Antecedentes Históricos  
Existem muitas controvérsias quando o assunto é o descobrimento do Brasil e do continente Americano. Oficialmente, a Terra de Vera Cruz, do Brasil foi descoberta por D. Pedro Álvares Cabral, em 22 de abril de 1500, para o então Rei de Portugal D. Manuel I. Mas existem registros que comprovam a passagem de outros navegadores pelas terras americanas.

 “Está provado, porém, que muito antes de 1492, não só as terras da futura América do Norte, mas as do Brasil já eram do conhecimento de navegantes portugueses, tendo se conservado, inexplicavelmente, um profundo mistério sobre a existência de ambas (...) Por outro lado, diz o padre Francisco do Nascimento Silveira, em seu Aparato Corográfico, que antes de Colombo descobrir a América, já haviam descoberto quatro pilotos portugueses: Pedro Correia, Vicente Dias, Afonso Sanches e Martin Vicente. Sobre Afonso Sanches convergem de forma categórica e convincente os depoimentos dos mais antigos e notáveis autores, de tal maneira que não seria demais se lhe conferissem definitivamente os lauréis de verdadeiro descobridor da América”.¹
           
Entre o período de 1500 e 1530, o governo de Portugal não mostrou grandes interesses pela ocupação das novas terras, demonstrando ainda um grande interesse pelo comércio movimentado pelas especiarias encontradas no Oriente. Esse quadro começou a mudar após a descoberta de uma madeira capaz de prover uma tinta utilizada para dar coloração carmim aos sofisticados tecidos usados pela nobreza. Essa madeira era chamada pau-brasil, encontrada em abundância na mata atlântica. Sua extração começou após um acordo fechado entre o governo de Portugal e Fernão de Noronha em 1502. 

A colonização das terras americanas por Portugal só iria acontecer no ano de 1530, através da expedição de Martim Afonso de Souza, que percorreu grande parte do litoral brasileiro e em 22 de janeiro de 1532, fundou a vila de São Vicente, no litoral do atual estado de São Paulo. A primeira região do Brasil a ser colonizada, por mando de Dom João III, foi à costa meridional, em 1530, as chamadas regiões do Rio da Prata. 
Devido à bem sucedida campanha de Martim Afonso, Portugal decide promover a ocupação sistemática do território que lhe cabia na América, nos termos do Tratado de Tordesilhas. Foi introduzido o sistema de capitanias hereditárias. 

“o governo adotou o sistema de capitanias hereditárias. Ao todo, eram quinze capitanias hereditárias, concedidas a doze donatários. Martim Afonso recebeu duas capitanias e seu irmão, Pero Lopes de Souza foi agraciado com três. Os poderes do donatário eram amplos. Em seus domínios, ele estava autorizado a fundar vilas, exercer a justiça, criar cargos, nomear funcionários e empregar a mão de obra nativa. A experiência com implantação das capitanias não surtiu os efeitos esperados. Apenas duas delas, a de Pernambuco e a de São Vicente foram bem sucedidas”.² 

As capitanias hereditárias não eram novidade e haviam sido usadas como sistema de colonização nas Ilhas da Madeira, Açores, Cabo Verde e São Tomé. Os donatários tinham o direito de escravizar índios, fundar vilas, conceder sesmarias, cobrar tributos, entre outras coisas.  

¹ SANTOS, Francisco Martins dos. História de Santos. pg. 03
² DIVALTE, Garcia. Livro História Geral, 2001, pg . 

Após ter fundado São Vicente, Martim Afonso estabeleceu próximo ao rio Itanhaém a segunda povoação de sua capitania, chamada São João Batista, habitada por colonos e índios. Além do rio, o termo Itanhaém (do tupi pedra que canta) também era usado para denominar o trecho do território entre São Vicente e o Morro do Guareú (atual Guaraú, Peruíbe).  Nessa época, viviam na região de Itanhaém, Bertioga e Cananéia, os índios Tupiniquins. O povoado recebeu vários colonos de São Vicente que fugiam da luta contra os tamoios.

"Garantindo a relação com os Tupis no litoral, a região de Itanhaém começou a ser povoada já na década de 1540".³

Foi elevada a categoria de Vila N. S. da Conceição no ano de 1561.

“Martim Afonso de Sousa e seu comandante de esquadra Pedro Martins Namorado, estabeleceram os fundamentos da povoação de Itanhaém entre os rios Itanhaém e Peruíbe, cujas terras eram exploradas por Pêro Corrêa, um bárbaro e sagaz português traficante de escravos através do Porto das Naus, hoje bairro do Japuí (São Vicente-SP), o que lhe valeu a alcunha de traficante do Japuí, até o local hoje conhecido como Aldeia Velha ou Aldeia de São João Batista”. 4

No século XVI, a colonização portuguesa do sul ficou restrita à parte da costa compreendida entre a Barra da Bertioga e a Ilha de Cananéia. Os aldeamentos foram de grande importância para os colonizadores portugueses. A partir deles, conseguiram criar um relacionamento, mesmo que instável, com os indígenas. Isso assegurou a sobrevivência dos europeus, através da incorporação de numerosos grupos indígenas ao serviço de defesa contra outras tribos mais ofensivas e outros grupos de colonizadores. Além disso, foram impostas aos indígenas as leis, costumes, vestimentas e religião oficiais dos portugueses. Foram criados assim, aldeamentos cristãos ou aldeias católicas, comandadas por padres que eram responsáveis não apenas pela vida religiosa, mas pela vida da aldeia em geral. 

Os aldeamentos foram uma iniciativa dos jesuítas, os responsáveis pela catequização e “domesticação” de grande parte dos índios que viviam desde a costa nordeste do Brasil até as praias da capitania de São Vicente. Não foram os primeiros representantes da igreja católica a chegarem ao Brasil, já existiam franciscanos no território desde o descobrimento. Eles chegaram ao Brasil 29 de março de 1549, na expedição de Tomé de Souza (primeiro governador geral do Brasil), tendo como Superior o padre Manuel da Nóbrega. Foram expulsos no ano de 1759. Foram contra a exploração das tribos indígenas, mas ao mesmo tempo, foram responsáveis por corromper grande parte da cultura das mesmas, devido a sua cristianização.

“Embora a missão dos jesuítas fosse principalmente a catequese dos habitantes das novas terras, a obra que realizaram foi muito extensa, assentando as bases de uma nova nação, sobretudo por meio da atividade educativa”. 5
       
3 TRINDADE, Jaelson Bitran. A Aldeia de São João Batista de Peruíbe, 1992, pg. 15.
4 Ernesto Zwarg Jr.
5 MOURA, Laércio Dias de. A Educação Católica no Brasil, pg 23.

Destacam-se entre eles o padre José de Anchieta (chegou ao Brasil apenas em 1553), um dos responsáveis pela fundação da cidade de São Paulo, e o padre Leonardo Nunes o “Abarebebê”, responsável pela fundação do primeiro colégio na capitania de São Vicente, segunda escola a ser criada no Brasil. Este último morreu no ano de 1554, após um naufrágio.  

Nesses aldeamentos, as capelas eram localizadas de maneira estrategicamente defensiva, na parte mais alta do terreno. Muitos deles não possuíam grandes igrejas, mas sim pequenas ermidas (capelas) construídas de maneira simples. Na pesquisa de Trindade (1992) podemos encontrar uma citação do frei Gaspar da Madre de Deus, cronista do século dezoito, natural de Santos - SP: 

"os aldeamentos cristãos, nos seus primeiros tempos, não tinham igreja de verdade. Eram de madeira e palha de pindova, feitas ao modo indígena.  Tanto a igreja como a casa dos índios. As casas permaneciam as grandes ocas ou malocas, as mesmas que aparecem nas conhecidas gravuras do século XVI, que ilustram da viajem do alemão Hans Staden pelo litoral norte e sul da capitania de São Vicente: a forma retangular e a cobertura em abóboda de berço". 6

 Os índios batizados eram enterrados dentro da própria igreja, com direito a rituais tradicionais dos católicos. Os não batizados eram enterrados externamente, mas ainda em áreas consideradas sacras, como o adro.

Nos aldeamentos existiam várias atividades culturais, como a produção cerâmica, danças, representações teatrais, procissões solenes e algumas festas, que também ocorriam fora da igreja. Uma das mais populares era a festa de São João.

6 TRINDADE, Jaelson Bitran. A Aldeia de São João Batista de Peruíbe, 1992, pg. 9.

3 - Cronologia dos acontecimentos na aldeia de São João Batista 7
Segundo a pesquisa histórica realizada por Jaelson Trindade (1992) com base em documentos primários e secundários, mais as informações encontradas nos painéis das ruínas, sugere-se uma cronologia de ocupação do sítio arqueológico.
1530 - Fundação do povoamento de São Vicente.  
1532 - Elevação do povoamento de São Vicente à vila (subordinada a São Vicente anteriormente). 
Entre 1549 a 1554 - Possível construção de uma ermida pelo padre Leonardo Nunes, para a catequização e batismo dos índios locais e os colonos a serviço de Pedro Correia. 
1557/58 - Ajuntamento de tribos Tupi na Vila de Itanhaém.    
1585/1630 - Comércio marítimo Portugal - Bahia - Rio de Janeiro - Buenos Aires. 
1616 - O Governo de Capitania do Rio de Janeiro solicita a criação de aldeias na costa abaixo de Itanhaém. 
1640/80 - Surto de mineração de ouro de lavagem entre Iguape e Paranaguá. Os portugueses povoam o São Francisco, a Ilha de Santa Catarina, Laguna e Sacramento no rio da Prata. 
1654 - Chegada de Franciscanos ao Convento de Nossa Senhora da Conceição. 
1660 - Vasco da Mota recebeu a Patente de Capitão da “Aldeia de São João da Villa da Conceição”
1673 – Pedro de Laguarda foi nomeado Capitão e administrador da “Aldeia da Capitania de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém”. Na carta de nomeação, Affonso furtado de Castro do Rio de Mendonça, escreve que Laguarda deve ajuntar e reconduzir a aldeia “todos os Índios que estiverem espalhados por casa de moradores.
1686 - Construção de uma ermida: Ermida de São João Batista de Itanhaém. 
1692 - A aldeia de São João da Vila de Itanhaém é entregue aos franciscanos pelo governador da Capitania de Itanhaém Garcia Lumbria. Em 16 de novembro foi realizado um censo, ficando registrados 119 indígenas no aldeamento e mais 10 dispersos. Naquela ocasião a igreja continha três imagens: São João, Nossa Senhora da Assunção e Santa Luzia, além de algumas alfaias (paramentos e adornos).
1698 - Posse efetiva dos franciscanos. 
1714 - Em 16 de abril os franciscanos foram despojados da administração do aldeamento. Em 02 de junho o Juiz obriga a Câmara a entregar o aldeamento aos franciscanos.
1745 - Regimento da Província Franciscana de Nossa Senhora da Conceição.
1755 - (por volta de 1755) Fundação (transferência) da Aldeia de São João por um padre Franciscano. 
1761 - Em virtude de a igreja estar em ruínas, suas imagens são transferidas para a matriz de Itanhaém. 
1765 - (após 1765) Construção de uma igreja em pedra. 
1776 - O Brigadeiro José custódio de Sá e Faria tem passagem pela aldeia de São João Batista e faz um desenho da igreja.
1803 - Saída dos Franciscanos. 
1829 - A aldeia de São João não possui condições para ser elevada à vila. 
1831 - É extinta a freguesia da Aldeia de São João. 
1835/36 - As terras que anteriormente foram entregues aos Franciscanos são retomadas pelo Conselho Municipal. 
1889 - Transferência de famílias destituídas de terras para as margens do rio Mambú-Mirim. 
1991 - É dado início os trabalhos de escavações arqueológicas sob a orientação científica do arqueólogo Paulo Tadeu de Souza Albuquerque e coordenação geral da Profa. Dorath P. Uchôa. Trindade, 1992

7 Cronologia baseada na publicação Revista Leopoldianum, Revista de estudos e educação da Universidade Católica de Santos. Editora Universitária, UNISANTOS. Ano 25, nº 70. São Paulo, dezembro de 1999 e na obra de Jaelson Bitran Trindade, A Aldeia de São João Batista de Peruíbe, 1992.

Durante os 28 km entre Itanhaém e o final da praia de Peruíbe encontra-se o outeiro onde estão as ruínas da igreja da aldeia de São João Batista. Tanto o aldeamento e a igreja são datados do século XVIII. As "Ruínas do Abarebebê" são vestígios da construção dessa igreja franciscana. Os franciscanos na maioria das vezes são excluídos da história das ruínas, como se apenas os jesuítas tivessem importância. Sem contar que foram os representantes religiosos que mais residiram na aldeia junto aos índios. As informações divulgadas por Benedito Calixto (1853-1927) junto com suas pinturas intituladas "Ruínas do Abarebebê" (1905-1910) reforçam além do necessário a importância dos jesuítas.

"seus escritos (de Benedito Calixto) são sinais da consciência histórica das elites da época, com forte tempero nacionalista. Foi à maneira encontrada por ele de atribuir valor monumental àquilo que queria ver preservado. Apoiado nas sumaríssimas informações que dão o padre jesuíta Leonardo Nunes como o principal agente, entre 1549 e 1554, do trabalho de catequese e  "domesticação" de grupos indígenas na costa sul do Brasil, Calixto creditou a esse padre, morto em 1554, a criação do aldeamento cristão de Peruíbe e a construção da igreja”.8

O nome Abarebebê significa padre voador, apelido dado pelos índios ao padre jesuíta Leonardo Nunes, devido à grande habilidade de se locomover a grandes distâncias em um curto espaço de tempo. Não existem dúvidas do papel de Leonardo Nunes para com a educação e catequização dos índios da região, desde São Vicente até Peruíbe.

O padre Leonardo Nunes possivelmente foi responsável pela construção de uma ermida, que atendia aos índios e colonos a mando de Pedro Correia, residentes na região conhecida como Tapirema.

 “Quando Pero Correia obtém, em 1542, terras na região de Itanhaém, onde hoje é Peruíbe, ele, um feroz escravizador de Carijó, afirma simplesmente que quer sua posse onde estão os índios Peruíbe. Peruíbe é o nome do grupo indígena, nome pelo qual era chamada a aldeia. Peruíbe, dizem significar cação bravo ou cação ruim”.9

Nessa ermida eram realizados casamentos, catequese e batismos dessas pessoas. Existem poucas evidências que compravam que o padre Leonardo Nunes realmente tenha sido o responsável pela construção da capela, mas essa ideia é aceitável, já que Pedro Correia, o dono das terras em Peruíbe, é convertido por ele ao cristianismo.

Pedro Correia doa todos os seus bens a Companhia de Jesus após a sua conversão, mas é morto pelos índios no ano de 1554. Morre também, nesse ano, Leonardo Nunes. Logo, os jesuítas exerceram curto tempo de influência religiosa no local. Provavelmente, os habitantes foram transferidos por volta de 1563, para a Vila da Conceição de Itanhaém, formando aldeias, entre elas a que viria a ser chamada de São João Batista.

Essa antiga aldeia de São João Batista, situava-se aproximadamente a 6 km ao norte da Vila da Conceição de Itanhaém.

A aldeia de São João Batista já teve três assentamentos diferentes. No ano de 1584, o padre jesuíta José da Anchieta se encontra na Bahia e escreve uma carta dizendo:

8 TRINDADE, Jaelson Bitran. A Aldeia de São João Batista de Peruíbe, 1992, pg. 4.
9 TRINDADE, Jaelson Bitran. A Aldeia de São João Batista de Peruíbe, 1992, pg. 15.

Hipótese de localização da antiga aldeia de São João Batista.

“Ao longo da praia, na terra firme, nove ou dez léguas da vila de S. Vicente para o Sul, tem uma vila chamada Itanhaém de Portugueses e junto dela, da outra banda do rio como uma légua, tem duas aldeias pequenas de índios cristãos. Nesta vila tem uma igreja de pedra e cal, na qual, quando se reedificou, o Administrador deitou a primeira pedra com toda a solenidade: é da Conceição de Nossa Senhora, onde de toda a capitania vão em romaria e a ter novenas, e fazem-se nela milagres”. 10

Esse trecho da carta descreve a passagem de Anchieta pela vila de Itanhaém, onde existiam duas aldeias. A igreja de pedra e cal relatada é a da Nossa Senhora da Conceição e situa-se atualmente em Itanhaém. Em 1654 a igreja é doada aos franciscanos.

Os franciscanos, ou Frade Menores “subdivisão da ordem dos franciscanos, fundada em 1208 por São Francisco de Assis, estava em Portugal desde 1217 e, antes de chegarem ao Brasil, já haviam levado a palavra de Deus à África e à China”. 11

Assim como os jesuítas, tiveram importante papel na construção de edifícios religiosos e na catequização dos índios brasileiros. Além disso, foram os primeiros representantes da igreja católica a chegarem ao Brasil, (os jesuítas só vieram em 1549) junto com a esquadra de Pedro Álvares Cabral em 1500. Foram os responsáveis por realizar a primeira missa em território brasileiro e seguiram em viajem com Cabral para as Índias.

10 ANCHIETA, Joseph de. Cartas Jesuíticas III, 1584, pg. 320.
11 MOURA, Laércio Dias de. A Educação Católica no Brasil, 2000, pg. 20.

Ocorreram outras vindas dos franciscanos ao Brasil no ano de 1503, 1505 e no ano de 1532, junto com Martim Afonso, realizaram o primeiro culto divino em São Vicente e levantaram uma capela em honra de Santo Antônio.

De acordo com frei Basílio Rower em uma memória de 1714, o segundo assentamento da aldeia ficava a duas léguas (12 km) da vila de Itanhaém e a 6 km ao sul do primeiro assentamento.

"A aldeia "da Conceição", sob a invocação de São João Batista, nunca foi um estabelecimento criado e administrado pelos padres jesuítas, ao que se sabe graças aos estudos do padre jesuíta Serafim Leite. Aliás, um documento do Arquivo da Mitra do Rio de Janeiro, arrolando diversas igrejas e capelas paulista, em 1686, diz que a ermida de São João Batista de Itanhaém foi fundada pelos índios. a Câmara de Itanhaém informa, em 1711 que foi ela quem sempre administrou a aldeia da vila. O modo como se refere o padre José de Anchieta à aldeia "da conceição", em carta datada de 1584, reforça a ideia de que ali não foi estabelecimento jesuítico: em Itanhaém, diz Anchieta.

 "Da outra banda do rio, como uma légua (6 km) tem duas aldeias pequenas de índios cristãos". Essa uma légua indica a região banhada pelo rio Guáu, que deságua no rio Itanhaém já com o nome de rio do Poço (poço de Anchieta). Era realmente, uma aldeia de administração secular. Estava sob as ordens da Câmara de Vereadores". 12

 A ermida construída no ano de 1686 situava-se ainda nesse segundo assentamento da aldeia.  No ano de 1692, foi determinado por uma ordem Régia que mais nenhuma aldeia fosse administrada por seculares. As aldeias passaram a ser governadas por franciscanos, beneditinos e carmelitas. A partir desse ano, passaram a residir na aldeia um superior e dois companheiros religiosos. Os franciscanos só assumiram no ano de 1698. Durante a administração dos franciscanos na aldeia de São João, existiram várias intenções de transferi-la para a colônia que estava sendo formada na ilha de Santa Catarina, por motivos estratégicos, que iriam favorecer o comércio dos portugueses no Rio da Prata, além de reforçar a defesa e mão de obra a serviço dos governantes.

 Segundo Trindade, existem três informações básicas que comprovam a intenção de transferência da aldeia e ao mesmo tempo, nos fornece importantes dados sobre a mesma:

 "A primeira delas é de 1742. É uma informação do Brigadeiro José da Silva Paes, responsável pela defesa da ilha de Santa Catarina, subordinada ao governo do rio Rio de Janeiro. Diz ele que "na praça da Conceição, que fica entre a vila de santos e a de Paranaguá" se acha "uma aldeia de muitos casais de índios da terra, a que chamam de São João de Itanhaém, do distrito do governo de São Paulo, administrada por dois religiosos capuchinhos, não tendo ali terras bastantes para lavrar e nem em que se ocupem". Silva Paes pretendia que se mudasse a Aldeia de São João para a Ilha de Santa Catarina, erguendo-se ali, junto a ela, um hospício de religiosos franciscanos (...) "Em 1746, o Conselho de Ultramar expõe ao Rei uma nova representação de Silva Paes, insistindo na ideia da instalação na Ilha de Santa Catarina de um hospício de capuchos, sendo muito conveniente também que fosse junto "uma aldeia de índios da terra que há no distrito da vila da Conceição, capitania de São Paulo, a que chama Itanhaém da administração dos ditos padres por não terem terras na paragem em que se acham que são uns brigais". 13

12 TRINDADE, Jaelson Bitran. A Aldeia de São João Batista de Peruíbe, 1992, pg. 18.
13 TRINDADE, Jaelson Bitran. A Aldeia de São João Batista de Peruíbe, 1992, pg. 24.

"Examinada a representação em 1748, não houve determinação expressa do Rei a respeito. Um outro documento, o terceiro, informa sobre acontecimentos posteriores a 1748, data do anterior. É uma carta datada de 1765, enviada ao Capitão General de São Paulo (Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro - Coleção Morgado Mateus). Seu autor, Frei Tomé Vieira, conta que há coisa de 10 anos (por volta de 1755, portanto), havia fundado a Aldeia de São João - entenda-se por fundar, fazer a Aldeia noutro local (...) "Ao explicar os motivos que o levaram a mudar o local da aldeia, Frei Tomé fala das condições adversas do sítio antes ocupado por ela: "Porque sendo Superior na aldeia de São João, a qual estava em um lugar junto à praia: onde não havia pedra, barro e cal, água capaz para se beber, e finalmente só areia, por cuja causa ajuntei das odinárias, e terços do escaler (travessia do Guaraú) duzentos mil réis, com os quais por via do Síndico (do convento e Itanhaém), comprei umas terras que estavam Místicas com o dito lugar, pois ao menos tinha pedra, barro e água(...) "Naquele lugar junto à praia "tinham como casa, um rancho, e por igreja uma capela, a qual a metade era coberta de telha, e a outra de palha". A carta de frei Tomé mostra que o Brigadeiro Silva Paes não conseguiu o seu intento levar a aldeia para a ilha de Santa Catarina. Por outro lado, ela é uma espécie de "carteira de identidade" das ruínas, impropriamente chamadas de "Abarebebê". Foi ele, um frade franciscano, quem a fundou ali, em meados do século XVIII: a igreja de pedra e residência, hoje em Ruínas, foi erguida depois dessa "fundação". 14

A aldeia foi transferida para outro local, por volta do ano de 1755, seu último assentamento, finalmente o local onde atualmente se encontram as ruínas. Ocorreu uma consolidação dos aldeamentos indígenas no ano de 1755, quando o rei de Portugal D. José I, através de seu ministro Marques de Pombal, impôs o regime de Diretório, que passou a assegurar uma maior “liberdade” aos índios. As vilas ou aldeias passaram a ter uma escola, com um mestre para os meninos e outro para as meninas e o único idioma que poderia ser usado era o português. A nudez foi proibida, bem como as habitações coletivas. A mestiçagem foi estimulada. A intenção era a integração do índio a sociedade, mas resultou na extinção quase completa do que tinha restado da cultura já corrompida dos índios brasileiros.

“Antônio Ribeiro dos Santos, um dos colaboradores mais próximos do Marques de Pombal, sintetiza assim a complexidade de sua atuação: “Pombal quis civilizar a nação e ao mesmo tempo escravizá-la. Quis defender a luz das ciências filosóficas e ao mesmo tempo elevar o poder real do despotismo”. 15

 Devido a essa nova lei, os religiosos perdem muito do seu poder e de suas funções, passando a serem responsáveis apenas pelos assuntos de fé e moral. Também se deve ao Marques de Pombal a expulsão dos jesuítas em 1759.

Existiu uma ermida, construída anteriormente no mesmo local onde hoje se situa a igreja em ruínas. Foi construída com técnicas e materiais mais primitivos. No ano de 1761, Benedito Calixto afirma que as imagens da capela de São João Batista foram transportadas em procissão para a igreja matriz de Itanhaém, devido à capela estar em ruínas. Esse relato comprova a hipótese de que a igreja foi construída em duas etapas. Após essa data, mais aproximadamente em 1765, é construída como prolongamento dessa capela, a igreja que hoje se encontra em ruínas.

14 TRINDADE, Jaelson Bitran. A Aldeia de São João Batista de Peruíbe, 1992, pg. 24.
15 MOURA, Laércio Dias de. A Educação Católica no Brasil, 2000, pg 63.

Reprodução dos desenhos feitos pelo Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria em 1776.

Foi construída a custo de trabalho indígena e frei Tomé reclama que eles relutaram em fazer essa nova igreja. Suas paredes foram construídas de pedra e cal, mais especificamente pedras miúdas. Os materiais presentes na composição da argamassa eram terra, areia e conchas moídas. As paredes eram levantadas por armações de madeira (taipal), deixando orifícios na alvenaria chamados cabodás “vãos sequenciais presentes nas paredes da nave central, que serviam para travar as pranchas de madeira, que direcionavam e aprumavam a parede de pedra”. 16 Essa técnica foi muito usada no litoral paulista.

Situava-se na parte mais alta do aldeamento. Era formada por coro, torre sineira, batistério, nave central, capela mor e sacristia. Além disso, existia um corredor que dava acesso a um cômodo lateral, que servia de hospedaria, mais um anexo. Externamente, no seu conjunto, existia um adro e uma escadaria que dava acesso à igreja. Após a escadaria, existia um alpendre sustentado por quatro colunas que cobria a entrada do edifício. Na parte mais baixa existia um cruzeiro.

É impossível que as ruínas correspondam completamente a uma igreja construída sobre responsabilidade do padre Leonardo Nunes no século XVI. Mesmo que a antiga capela tenha sido construída nessa época, se encontrava em ruínas no século XVIII. No ano de 1776, o Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria realiza um percurso desde Santos a Paranaguá e deixa registrada em seu diário, sua passagem pela praia de Peruíbe. Esteve na aldeia de São João e fez alguns desenhos, entre eles um simples esboço da aldeia. 
          
16 SOUZA, Ricardo Avila de. Projeto Ruínas do Abarebebê, 1993/94  s/pg.


Benedito Calixto - Ruínas do Abarebebê - 1910 
http://www.jureia.com.br/mostramateria.asp?idmateria=298 - acessado em 15/03/2012 as 19:34.

“No último quarto do século XVIII, a aldeia de Peruíbe passa a ter uma produção para comércio, de chapéus de palha, esteiras e fios de tucum. E estão em permanente disputa com os religiosos sobre o quanto de seus proventos devem ser deixados à igreja. No início do século XIX, já havia alguns fazendeiros dominando a produção e o comércio, de chapéus, esteiras e fios”. 17

Em 1803 os franciscanos abandonam a aldeia de São João, levando vários equipamentos usados pelos índios, como carros de bois e ferramentas. A aldeia passou a ser chamada de freguesia, o comércio não prosperou e os índios empobreceram mais ainda. Mantiveram o usufruto da terra. Em 1829 a aldeia estava totalmente abandonada, sem igreja, sem Vigário e sem fregueses. A freguesia da aldeia foi extinta no ano de 1831. Em 1835 a Câmara Municipal de Itanhaém desejava obter para si as terras da aldeia, posse realizada oficialmente apenas no ano de 1856. E em 1889, as famílias foram transferidas para umas terras à margem do rio Mambú-mirim em Itanhaém. A pintura de Benedito Calixto é um importante registro do estado da igreja no começo do século XX. Através dela, nota-se o quanto as ruínas cederam nos últimos cem anos, além de detalhes construtivos, como a base de uma coluna, representação do piso original na capela-mor, existência de aberturas na parede ao lado do corredor para iluminação da nave (comprovando a hipótese de que o corredor era descoberto), os orifícios logo na entrada da nave, acima da porta, onde se apoiavam as estruturas que sustentavam o coro, e acima do batistério, uma abertura que dava acesso à sineira.  
  
17 TRINDADE, Jaelson Bitran. A Aldeia de São João Batista de Peruíbe, 1992, pg. 27.
4 - Estudos feitos pela Usp/MAE - Histórico das pesquisas 18

1983 - O último desmoronamento de proporção ocorreu nas fortes chuvas caídas na primeira semana de março de 1983; quando ruiu mais da metade superior da parede esquerda da nave (lado epístola), que tivera até então sua altura original. No segundo semestre o CONDEPHAAT executou serviços de consolidação de primeira urgência. (CEPAM, Arq. José Maria Whitaker de Assumpção. 1985).

1983 - As chuvas e ventos constantes ao longo dos tempos provocaram por "processo de lavagem" a retirada da embrechadura (encunhamento) de pedras menores (cangicado) que preenchiam os vazios irregulares entre os blocos de pedra no lado externo da parede. A estabilidade da parte que desabou já estava comprometida por desgaste natural (fadiga), infiltração de águas pluviais, desagregação da argamassa de assentamento e proliferação de vegetais cujas raízes provocaram fissuras ao longo das juntas ( Mori, Victor H., "Consolidação das Ruínas do Abarebebê", relatório CONDEPHAAT.)

1984 - Ano do tombamento das Ruínas do Abarebebê pelo CONDEPHAAT.

1985 - O deputado Rubens Lara encaminha ao Governador do Estado uma correspondência solicitando providências para "proteção policial e restauração arqueológica das Ruínas do Abarebebê". (Assembleia Legislativa, Dep. Rubens Lara, Fls. 03, sessão 10/10/85, indicação nº 3348).

1986 - O sítio, construído na face norte, em elevação suave no sopé do morro encontra-se quase que totalmente arrasado por ação antrópica, cujas conchas devem ter servido de matéria prima para a construção da Igreja de São João Batista, contando com 70 metros de eixo maior aproximadamente e sua vegetação é de gramínea, apresentando um trecho cultivado (plantio de rosas).  (Uchôa, Dorath P., Parecer de 19/5/1986, CONDEPHAAT).

1987 - Retornamos a Peruíbe, em companhia do Dr. José Maria Whitaker de Assumpção, da Fundação Faria Lima (CEPAM) e da Profa. Doutora Marília Carvalho de Mello Alvim, Titular da UFRJ (Museu Nacional) e UERJ (Depto. Ciências Sociais), quando procedemos à nova vistoria e prospecções com sondagens, coleta de materiais arqueológicos de superfície e de sedimentos e execução de farta documentação fotográfica das "ruínas" e seu entorno. (Uchôa, Dorath P., Parecer de 12/01/1987, CONDEPHAAT).

1987 - Trata da vistoria realizada em outubro de 1987: "Registramos a destruição gradativa das "ruínas" por parte dos visitantes (locais e dos turistas), cabendo a responsabilidade dessa ocorrência àquele município, por não programar as visitas e não manter guardas para fiscalizá-las." (Uchôa, Dorath P., Parecer 08/02/1988, CONDEPHAAT).

1988 - "Projeto de Pesquisas Arqueológicas de Peruíbe, Litoral Sul do Estado de São Paulo" Coordenação: Profa. Dra. Dorath Pinto Uchôa e Gabriela Martin Ávila. São Paulo, 8 de fevereiro de 1988.

1990 - Sítios arqueológicos constituem patrimônio cultural do Município e são áreas de proteção permanente como as Ruínas do Abarebebê e o caminho do Imperador. (Lei orgânica do Município de Peruíbe, São Paulo. 1990).

1991 - É dado início os trabalhos de escavações arqueológicas sob a orientação científica do arqueólogo Paulo Tadeu de Souza Albuquerque e coordenação geral da Profa. Dorath P. Uchôa. Foram realizadas duas campanhas: maio e outubro, onde se verificou que a construção da Igreja de São João Batista se deu em duas fases: a 1º relativa à capela primitiva e a 2º a igreja propriamente dita.

1993 - Dezembro - Trabalhos de escavação, 5º etapa de campo no sítio arqueológico “Ruínas do Abarebebê”, no período de 02 a 09/12.

1994 - Fevereiro - Trabalhos de escavação, 6º etapa de campo no sítio arqueológico “Ruínas do Abarebebê”, no período de 14/01 a 09/02.

18 UCHÔA, Dorath Pinto et MARTIN, Gabriela. Projeto de pesquisas arqueológicas de Peruíbe, 1988.


5 - Pesquisas Arqueológicas:
“As Ruínas do Abarebebê, em Peruíbe, SP, ocupam uma área, que apresenta o testemunho de ocupação humana em diferentes épocas:

- grupos pré-históricos, possivelmente contemporâneos dos construtores dos sambaquis mais recentes.

- grupos ceramistas, que se diferenciavam dos anteriores por praticarem uma agricultura de subsistência, além de conhecerem a técnica da cerâmica.

- portugueses responsáveis pela fundação da Aldeia de São João Batista”. 19

Desde o ano de 1991, Peruíbe faz parte de um projeto de pesquisa multidisciplinar, criado pelo MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP) na década de 1980, que busca estudar o homem do litoral paulista desde a pré-história aos dias atuais. As ruínas foram tombadas pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico de São Paulo) em 1984. Os trabalhos de preservação das ruínas e seu entorno foram iniciados também no ano de 1991 e foram coordenados pela arqueóloga Dorath P. Uchôa e pela arqueóloga Margarida D. Andreatta com a participação de técnicos do CONDEPHAAT e do DPH e se constituirão de escavações arqueológicas, tanto da ocupação pré-histórica como da consolidação dos remanescentes da Igreja, formando um conjunto, que valorizou e enriqueceu o patrimônio cultural da cidade de Peruíbe.

“Durante a escavação em 1993, foram encontrados vários tipos de materiais, entre eles restos humanos e restos alimentares de origem animal. Fazem parte da cultura material resgatada, metais ferrosos, (cravos em precário estado de conservação) fragmentos de cerâmica e faianças, materiais construtivos como telhas, tijolos fragmentados. Foram encontrados restos humanos na nave central, atribuídos ao enterramento de crianças de faixas etárias variadas e cujos crânios estavam em sedimento arenoso”. 20

Com a evolução das pesquisas, surge a necessidade de formular um projeto cultural dentro do próprio sítio arqueológico. O arquiteto Paulo de Mello Bastos projeta um centro de pesquisas para a divulgação do conhecimento ali existente, mais uma praça para observação astronômica. Deste complexo, apenas a praça foi construída.

Além das todas as escavações e pesquisas realizadas, foi feito um trabalho de consolidação das próprias ruínas, que estavam em estado crítico. Antes da intervenção, um dos pontos que causavam maior preocupação era o batistério, onde existia uma grande rachadura vertical, que atualmente se encontra consolidada. Os fatores naturais eram culpados de causar a maior parte da degradação das ruínas. Fortes chuvas causaram o deslizamento de grande parte das estruturas originais, além de tirar todo o revestimento de argamassa das paredes. Sem esse revestimento as pedras menores vão aos poucos se soltando e criando vãos que proporcionam o deslizamento das pedras maiores. Muitas das pedras encontradas na nave e ao redor da igreja foram recolocadas nas paredes, completando sua volumetria. Foi retirada toda a vegetação que com o tempo se fixou nas ruínas. O preenchimento de vazios superficiais e fendas nas paredes foram feitas com pedras originais com tamanho e tipo de assentamento distintos do restante. E por último, proposto por estudo realizado no Instituto de Pesquisas Tecnológicas do estado de São Paulo, IPT, foi construído um muro de gabiões na lateral esquerda da igreja, para conter futuros deslizamentos. Para a execução foram escolhidas pedras de qualidade bastante diferenciada em relação às originais e estudados níveis e perfis compatíveis volumetricamente com as ruínas. Esse muro é facilmente notado como intervenção, mas ao mesmo tempo não cria um contraste com o antigo edifício.

19 Uchôa, 1987.
20 ASSUMPÇÃO, José Maria de. Súmula do Documento: Cepam. 1985.


6 - Analise Arquitetônica
 A ordem dos franciscanos exerceu grande influência na arquitetura religiosa do estado de São Paulo. As construções jesuíticas do litoral estão em péssimo estado de conservação ou desapareceram completamente. Muitas delas sofreram alterações por outras ordens religiosas. Mas já é possível encontrar construções franciscanas em melhor estado de conservação. Algumas das características levantadas por Frade das igrejas projetadas pelos franciscanos:

“a fachada do frontão baixo é precedida de um alpendre, enquanto o campanário se situa recuado, no lado da epístola. O pórtico aberto na obra (galilé) ou fora dela (alpendre) é uma de suas características mais marcantes. A utilização do alpendre foi muito disseminada nas capelas rurais, sendo usada pelos franciscanos desde o século XVIII. Também se supõe que os materiais empregados nas construções franciscanas eram bem mais variados do que nas construções das outras ordens (...) Normalmente, os franciscanos nesse período, começavam pela moradia dos frades e só depois se pensava na capela-mor da igreja. Geralmente, esta era de nave única, terminada por uma capela-mor pouco profunda e mais estreita, com dois corredores margeando-a. Esses dois levam a uma grande sacristia localizada atrás da igreja, na maioria das vezes colocada transversalmente, de forma a ocupar toda a largura da nave central, de uma parede lateral a outra.” 21

A igreja da Nossa Senhora da Conceição em Itanhaém possui semelhanças arquitetônicas com a igreja de São João Batista. Foi a primeira construída nessa região e passou por várias etapas construtivas. A primeira foi em 1532, construída ainda como uma ermida, logo após a fundação da cidade. Foi dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Em 1563 foi construída a igreja e em 1654, foi doada aos franciscanos, que chegaram oficialmente à vila de Itanhaém no mesmo ano.

21 FRADE, Gabriel. Livro Arquitetura Sagrada no Brasil, 2007, pg 63.



Altar mor da igreja N. S. da Conceição da Escada em Itanhaém. 
Autor da foto: Emílio Campi
http://www.360cities.net/profile/emiliocampi?utm_source=google_earth&utm_medium=all_images - Acessado em11/05/2012 as 10:21.



Nave e coro da igreja N. S. da Conceição da Escada em Itanhaém. 
Autor da foto: Emílio Campi
http://www.360cities.net/profile/emiliocampi?utm_source=google_earth&utm_medium=all_images - Acessado em11/05/2012 as 10:51

Outra igreja que possui semelhanças com igreja de São João Batista é a igreja Nossa Senhora da Escada, em Guararema/SP, construída no ano de 1652 pelos jesuítas. Mas essa igreja não possui torre sineira nem alpendre. Está anexada à residência dos padres e possui um telhado de duas águas com um óculo no triângulo formado pela empena. A residência prolonga a fachada, com três janelas na parte superior e três portas sem alinhamento no térreo. Logo na entrada existe um coro e na extensão da nave, existem dois altares junto ao arco da capela mor ornados em entalhes e pinturas. O retábulo principal é todo em madeira com apenas um nicho em arco pleno de pequena profundidade. Na parte posterior do altar vê-se a estrutura em madeira pouco distante da parede, que fica junto à taipa.

Igreja N. S. da Escada em Guararema - fachada frontal.  
http://historiavaledoparaiba.blogspot.com.br/2010/06/visita-as-cidades-de-guararema-santa.html - acessado em 11/05/2012 as 16:20.

7 - Definição dos espaços que formavam a igreja de São João Batista:
Nave: Correspondem à nave as partes laterais e a parte central do corpo de uma igreja, desde a entrada até o cruzamento do coro lateral. Por extensão leva até ao altar e o ambão, e nas laterais, acomodam os fiéis e visa claramente separar o clero dos leigos. Tal separação não existia nas igrejas cristãs primitivas. Seu espaço físico tem relação com o surgimento das Basílicas romanas, que eram projetadas para abrigar um número maior de pessoas. Existem igrejas com uma, três, cinco ou até mais naves. A igreja de São João Batista é exemplo da tipologia de nave única com uma capela mor no final de sua extensão. 

Batistério: Lugar construído para abrigar a pia batismal. Contém a água necessária para o rito de iniciação cristã. Segundo Frade “Tem seu nome derivado da palavra grega baptizéin, que significa imergir, afundar na água, daí batismo e batistério, já que inicialmente o rito do batismo previa apenas a completa imersão do catecúmeno na água, com o significado simbólico de regeneração, de nascer para uma nova vida em Cristo”. 22 A pia batismal foi retirada do seu lugar original por Benedito Calixto em 1908.

Pia Batismal da igreja de São João Batista (atualmente). Desenho: Rafael Miranda

Detalhe do batistério (atualmente). Desenho: Rafael Miranda

Capela: É chamada de capela toda parte de uma igreja que possui um altar. De acordo com Corona e Lemos “são espaços reentrantes onde estão situados os altares colaterais. O local do altar-mor recebe o nome de capela-mor”.

Átrio: “É o vestíbulo, pátio ou espaço que vai, nos palácios e grandes edifícios, desde a entrada principal até a escadaria nobre de acesso ao pavimento superior. É nome, também dado, às vezes, aos adros das igrejas”. Corona e Lemos. Segundo Frade “tinha a finalidade de ser uma espécie de filtro, de preparar o fiel para adentrar no recinto sagrado da igreja. Nele havia também uma fonte de água para saciar os fiéis e ao mesmo tempo oferecer um lugar de purificação, a fim de que eles pudessem lavar as mãos antes de receber a comunhão”. 23 

22 FRADE, Gabriel. Livro Arquitetura Sagrada no Brasil, pg 167.
23 FRADE, Gabriel. Livro Arquitetura Sagrada no Brasil, pg. 65.

Alpendre: É todo o teto suspenso por colunas ou pilastras sobre portas ou vãos de acesso. Também é chamado alpendre todo acesso abrigado. Tem origem nos abrigos fronteiros das basílicas romanas. Certas festas religiosas e danças populares só eram permitidas nos alpendres do adro.  

Adro: Pátio ou espaço aberto à frente de um templo ou uma igreja. Faz parte do adro, muitas vezes, o alpendre, o nartex ou galilé, o cemitério e em algumas ocasiões externamente, o batistério.

Detalhe do adro - Atualmente. Autor do desenho: Rafael Miranda.



 Ilustração das fachadas. Desenho: Rafael Miranda

Ilustração das fachadas. Desenho: Rafael Miranda

  Ilustração das fachadas. Desenho: Rafael Miranda

Croqui da planta. Desenho: Rafael Miranda

Croqui da planta. Desenho: Rafael Miranda

Croqui da planta. Desenho: Rafael Miranda


 Simulação da planta da igreja de São João Batista em 1776, feita a partir do levantamento e do desenho feito em 1776 por José Custódio de Sá e Faria.

  Simulação eletrônica da igreja. 

   Simulação eletrônica da igreja. 

   Simulação eletrônica da igreja. 

8 - Critérios de intervenção
Qualquer projeto de intervenção ou consolidação das ruínas deverá ser avaliado cuidadosamente, devido ao valor histórico do edifício e o que ele representa para a comunidade local. Além disso, o edifício foi criado para fins religiosos, agregando um carinho ainda maior pelos moradores de Peruíbe. Algumas pessoas diriam que o edifício deveria ser reconstruído da maneira como ele era no passado, o que seria impossível, devido ao fato de estar em ruínas e devido à falta de informações e registros arquitetônicos, que se resumem a reproduções de um desenho de 1776 do Brigadeiro José custódio de Sá e Faria, pinturas de Benedito Calixto da igreja já em ruínas e algumas fotos antigas. A reprodução da tipologia do edifício iria criar um falso histórico.

 Foram grandes os esforços dos pesquisadores para a preservação do que sobrou da igreja, sendo que sem esses estudos, possivelmente as ruínas estariam ainda mais degradadas ou nem existiriam mais nos dias de hoje. Mas o grande problema é que mesmo com todos esses estudos de preservação, ainda existem grandes problemas a serem enfrentados, como a constante degradação das ruínas, tanto por fatores naturais, quanto pelas pessoas, a falta de um uso mais especifico para o local, a falta de estruturas básicas para a visitação, como iluminação, acessibilidade, segurança e a falta de informações sobre o sítio. É necessária uma intervenção não apenas pontual, mas sim uma intervenção que resolva todos esses problemas e ainda traga benefícios para a cidade, que tem o turismo como uma das principais atividades. Dar um novo uso ao edifício é a melhor maneira de conservá-lo, criando motivos para sua visitação.

Com essa intervenção surgirá uma relação entre novo e antigo, que deve ser harmônica, tanto por respeitar o edifício já existente, quanto pela aceitação da comunidade e dos usuários. A proposta de intervenção não deve criar um grande contraste, um choque visual, como acontece em muitas intervenções atuais em edifícios de grande valor histórico, onde os arquitetos não buscam uma contextualização. Mas ao mesmo tempo é necessário que essa intervenção seja claramente diferenciada como algo contemporâneo, através da tecnologia e dos materiais empregados. 

Bibliografia 

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CORONA E LEMOS. Dicionário da Arquitetura Brasileira. Editora e Distribuidora Companhia das Artes, 1998.

DIVALTE, Garcia. Livro História Geral, Série Novo Ensino Médio. São Paulo: Editora Ática, 2001.

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LEOPOLDIANUM, Revista. Revista de estudos e educação da Universidade Católica de Santos. Editora Universitária, UNISANTOS. Ano 25, nº 70. São Paulo, dezembro de 1999.

MOURA, Laércio Dias de. A Educação Católica no Brasil. São Paulo: Editora Loyola, 2000.

RIBEIRO, Mônica Bárbara. A Expansão Urbana de Peruíbe: Aspectos Legais do Uso e Ocupação da Terra. 2006.

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SILMÃO, Azis. Estudo sobre o desenvolvimento econômico e social de uma comunidade litorânea - 1958.

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Sites

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http://www.visitphilly.com/history/philadelphia/franklin-court/ - acessado em: 21/05/12 as 09:20.

Fonte..:: RMMLArquitetura


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