Por..:: Ricardo Abramovay
O avanço das renováveis não pode alimentar a crença de que os
limites naturais deixam de existir com a menor dependência das fontes
fósseis.
É preciso cuidado com a principal conclusão do relatório
lançado pelo IPCC em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, na segunda
semana de maio: a energia renovável poderá mover a economia mundial já
em 2050. É bem verdade que, mesmo antes da divulgação do estudo
completo (que só estaria disponível no início de junho de 2011 e tem
mais de mil páginas), as informações do sumário para os gestores
públicos são impactantes.
Quarenta e sete por cento do aumento na capacidade de geração de
energia elétrica no mundo, em 2008 e 2009, vieram de fontes não
fósseis. Os países em desenvolvimento respondem por mais da metade
dessa elevação. Em 2009, a energia eólica expandiu-se 32% e a
originária de células fotovoltaicas 53%, com relação ao ano anterior. A
participação dos biocombustíveis na matriz energética mundial dos
transportes cresceu de 2% para 3% entre 2008 e 2009. Também se
ampliaram de maneira considerável as energias renováveis
descentralizadas, sobretudo em regiões rurais. A curva de aprendizagem
das energias renováveis tem levado à redução em seus preços: o silicone
presente nas células fotovoltaicas caiu de US$ 65 em 1976 a US$ 1,4 em
2010. O custo da produção elétrica eólica nos EUA desceu de US$ 4,3 por
watt em 1984 para US$ 1,9 em 2009.
Mas a mensagem central do relatório só pode inspirar precaução: “O
potencial técnico global das fontes de energias renováveis não limitará o
crescimento continuado de seu uso” (página 7 do resumo para gestores
públicos). Os estudos compilados pelo IPCC indicam que a oferta dessas
fontes poderia ser maior que a demanda de energia derivada da expansão
econômica mundial. As promessas estão na energia solar, seguida pela
biomassa, pela eólica e pela geotérmica. Em 2050, nada menos que 80% da
energia da qual depende o planeta poderiam vir de fontes não fósseis.
Infelizmente, porém, não é esta a leitura mais realista que se pode
fazer das próprias informações do trabalho do IPCC. Primeiramente,
deve-se lembrar que o ponto de partida das energias renováveis é muito
baixo. A cifra de quase 13% da matriz mundial corresponde, na verdade,
em sua maioria, à biomassa para cozinha e, em menor proporção, para
aquecimento, em países muito pobres. As energias mais promissoras
partem de um patamar quase irrisório: 0,1% para a solar, 0,1% para a
geotérmica, 0,2% para a eólica e 2,3% para as hidrelétricas, cujos
limites de crescimento são conhecidos. Quanto às bioenergias modernas,
até aqui, somente o etanol de cana-de-açúcar oferece eficiência
energética e econômica, apesar do otimismo que cerca o etanol
celulósico.
Esta é a razão pela qual, longe da convergência em torno de uma
suposta emancipação das energias fósseis em 2050, anunciada com certo
alarde na imprensa mundial, os cenários estudados pelo IPCC são, na
verdade, bem menos otimistas. Mais da metade deles considera que, em
2030, as energias renováveis serão 17% do total, chegando a 27% em
2050. Apenas alguns poucos cenários apontam para a perspectiva de 43%
em 2030 e 77% em 2050.
Apesar das óbvias vantagens e dos imensos potenciais técnicos das
energias renováveis, a transição para uma sociedade quase independente
de combustíveis fósseis não será levada adiante em algumas poucas
décadas. Excesso de otimismo, nesse caso, pode desviar a atenção de
duas questões decisivas.
A primeira refere-se à urgência de uma utilização mais racional e,
sobretudo, mais parcimoniosa da energia e dos materiais de que depende a
economia mundial. O avanço das energias renováveis não pode estimular o
mito de um mundo em que os limites dos ecossistemas deixam de existir
em virtude da menor dependência com relação a petróleo, carvão e gás.
A segunda consiste em reduzir drasticamente a desigualdade no uso da
energia, o que supõe mudanças fundamentais nos próprios padrões de
consumo das sociedades contemporâneas: o consumo per capita de energia
nos Estados Unidos, por exemplo, é mais de 15 vezes superior ao da
Índia. No planejamento da descarbonização da economia mundial, o avanço
das energias renováveis é tão importante quanto a redução desse
vergonhoso abismo.
*Professor Titular do Departamento de Economia da FEA, do
Instituto de Relações Internacionais da USP; pesquisador da Fapesp e do
CNPq – www.abramovay.pro.br
Fonte..:: Página 22
(recicle suas idéias)
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