Por..:: Sergio Willian
Desde que debutei no mundo literário como autor de romances históricos, com "Pelas Curvas das Estradas de Santos" (2008), apaixonei-me pela ideia de narrar fatos marcantes do passado introduzindo personagens fictícios nas tramas, uma vez que isso nos permite oferecer uma nova perspectiva para a compreensão de como eram as coisas lá atrás. Não foi diferente com o trabalho "Jacinto, o Sansão do Cais Santista" (2011), livro em que o protagonista, Pedro, um típico jovem dos dias de hoje, atravessa uma espécie de "túnel do tempo" e dá de cara com o personagem que emprestou seu nome à obra: um ousado trabalhador do Porto de Santos do começo do século 20 que viria a alcançar grande fama em decorrência das provas de força que costumava realizar na faixa do cais. Nessas competições, Jacinto ousava carregar até cinco sacas de café nas costas, cada qual recheada com 60 quilos do valioso produto agrícola. Pedro, personagem irreal, assim, cumpre a missão de introduzir o leitor ao cotidiano de Santos em 1905, ano marcado por uma onda de transformações que conduziu a cidade a um caminho de maior prosperidade, tendo no café, o "ouro verde", o maior responsável pelo "upgrade" santista.
De certa forma, hoje vivemos um período bastante semelhante, de transformações e expectativas, impulsionado, desta vez, por um outro tipo de ouro, o negro, símbolo da força econômica proveniente do petróleo e do gás. Assim, fazendo uso do exercício criativo, o Jornal da Orla desafiou-me a "promover uma viagem" do Sansão do Cais Santista até os dias de hoje, percorrendo o caminho inverso de Pedro. O objetivo seria ouvir as hipotéticas opiniões do célebre estivador, bem como verificar que tipo comparações ele faria entre a Santos atual e a de sua época, distante 107 anos no passado.
Certamente, a primeira impressão de Jacinto seria acerca do lamentável estado de conservação dos velhos armazéns do Valongo, território tão familiar às performances do Sansão. Em sua época, os imensos galpões que tomavam conta da faixa de cais, do Valongo até a curva do Paquetá, estavam "novinhos em folha" e eram testemunhas de uma vida pulsante na beira do cais, fosse com os trabalhos de embarque ou pela chegada de cargas e imigrantes. Pedro até que tentou explicar ao amigo que a Prefeitura vem, há anos, prometendo transformar o lugar num imenso "boulevard", a fim de resgatar a essência alegre do passado. Jacinto, porém, não botou muita fé. Por outro lado, o estivador ficou boquiaberto diante dos modernos terminais do porto, principalmente os equipados com enormes portainers. Apesar da evolução natural, em decorrência do progresso, o "espanhol" nem podia imaginar que um dia os "puxa-sacos" (categoria da estiva a qual estava ligado) iriam deixar de existir, assim como as carroças, que dariam lugar para os veículos motorizados. Outro terminal que entusiasmou Jacinto foi o de passageiros. Nem mesmo em seus sonhos mais profundos ele poderia imaginar que os dois morros de Outeirinhos dariam lugar para o berço de atracação para navios tão luxuosos e belos. Quando Pedro lhe falou que Santos havia se tornado um dos principais destinos de cruzeiros de lazer no Brasil, Jacinto pareceu não ter se espantado. Afinal, a cidade, à sua época, já recebia os imponentes navios ingleses da Royal Steamboat Packet e outros tantos que também transportavam passageiros com luxo e comodidade.
Num rápido giro pela orla santista, o velho Sansão do Cais ficou assombrado com o tamanho dos imensos arranha-céus da praia, em especial dos mais recentes, verdadeiras fortalezas de luxo e ousadia. Jacinto lembrou-se do impacto que causou, em sua época, a construção dos ricos palacetes, que começavam a tomar conta da praia da Barra, aos montes, em decorrência da riqueza do café. Eram verdadeiras mansões à beira-mar, tal qual as atuais mansões suspensas, erguidas em prédios de alto luxo e condomínios exorbitantes.
O estivador Jacinto estava encantado com o automóvel. Afinal, jamais vira um em sua vida, apesar de saber que já existiam alguns na capital. Os únicos transportes urbanos terrestres que conhecia eram os bondes e as carruagens movidas a cavalos e burros. Se tivesse que ir para outra cidade, havia o trem. O estivador quis saber de Pedro quais eram os transportes atuais do povo. O amigo do futuro, então, lhe falou sobre os ônibus, que eram como bondes, só que não trafegavam sobre trilhos, mas sobre rodas de borracha, e que viviam quase sempre lotados. Pra piorar, os veículos contavam com um único homem para a função de motorista e cobrador, ao mesmo tempo. Absurdo! disse Jacinto. Jamais um condutor tem que ser cobrador!
O estivador, quando explicado sobre a motorização daquelas carruagens sem cavalos, acreditou que o transporte futurista deveria ser bem mais rápido do que os velhos bondinhos puxados por muares. Ledo engano, disse Pedro. Na época de Jacinto, uma viagem da Praça Mauá até o Boqueirão da Barra, de bondinho, levava pelo menos um hora, isso se os burrinhos estivessem de bom humor. Hoje, disse Pedro, leva-se quase o mesmo tempo, sendo que o bom humor teria de partir do trânsito da cidade. Se o motorista partisse de seu destino na hora do "rush", a coisa pode ficar feia. Apesar de não ter entendido o que significava aquela palavra em inglês, Jacinto acreditou ter entendido o que representava, uma vez que Pedro a associou ao imenso congestionamento que pegaram na divisa de Santos com São Vicente bem na hora do almoço.
Livre do engarrafamento, o estivador ainda percorreu com o amigo do futuro várias outras atrações da cidade. Visitaram o shopping, pegaram um cinema 3D, foram até a praia jogar tamboréu e ao campo do Santos Futebol Clube. Jacinto lembrou-se que, na sua época, o esporte preferido do povo santista era o remo. Já o jogo de bola com os pés era coisa para os filhinhos da burguesia, em especial dos ingleses e alemães que mandavam e desmandavam nas grandes empresas da cidade. Ao saber que o principal time da cidade havia projetado o nome de Santos pelo mundo, Jacinto se orgulhou. E quis conhecer mais a fundo a história de atletas como Pelé, Pagão, Coutinho, Pepe, Giovanni, Robinho e Neymar. Quando olhou para a foto do atual camisa 10 do Santos, Paulo Henrique Ganso, notou que se parecia com o jovem paraense de Vila Belmiro, e sorriu. Esse cara deve ser o Sansão do futebol!
Depois de rodar a cidade pelo restante do dia, Jacinto decidiu que era hora de voltar para casa. Definitivamente, a cidade de Santos de 2012 o deixava sem fôlego. O lugar pacato, de pouco mais de 60 mil habitantes, apesar de insalubre e oferecer poucas oportunidades, ainda era o seu mundo, um lugar onde alcançara a fama, pela inusitada capacidade de carregar 300 quilos nas costas. Aqui, na fantástica Santos do Século XXI, sem mais herois anônimos, o incrível estivador talvez fosse, no máximo, uma atração de semáforo, como tantas que encontrou ao longo do passeio.
Fonte..:: Jornal da Orla
Desde que debutei no mundo literário como autor de romances históricos, com "Pelas Curvas das Estradas de Santos" (2008), apaixonei-me pela ideia de narrar fatos marcantes do passado introduzindo personagens fictícios nas tramas, uma vez que isso nos permite oferecer uma nova perspectiva para a compreensão de como eram as coisas lá atrás. Não foi diferente com o trabalho "Jacinto, o Sansão do Cais Santista" (2011), livro em que o protagonista, Pedro, um típico jovem dos dias de hoje, atravessa uma espécie de "túnel do tempo" e dá de cara com o personagem que emprestou seu nome à obra: um ousado trabalhador do Porto de Santos do começo do século 20 que viria a alcançar grande fama em decorrência das provas de força que costumava realizar na faixa do cais. Nessas competições, Jacinto ousava carregar até cinco sacas de café nas costas, cada qual recheada com 60 quilos do valioso produto agrícola. Pedro, personagem irreal, assim, cumpre a missão de introduzir o leitor ao cotidiano de Santos em 1905, ano marcado por uma onda de transformações que conduziu a cidade a um caminho de maior prosperidade, tendo no café, o "ouro verde", o maior responsável pelo "upgrade" santista.
De certa forma, hoje vivemos um período bastante semelhante, de transformações e expectativas, impulsionado, desta vez, por um outro tipo de ouro, o negro, símbolo da força econômica proveniente do petróleo e do gás. Assim, fazendo uso do exercício criativo, o Jornal da Orla desafiou-me a "promover uma viagem" do Sansão do Cais Santista até os dias de hoje, percorrendo o caminho inverso de Pedro. O objetivo seria ouvir as hipotéticas opiniões do célebre estivador, bem como verificar que tipo comparações ele faria entre a Santos atual e a de sua época, distante 107 anos no passado.
Certamente, a primeira impressão de Jacinto seria acerca do lamentável estado de conservação dos velhos armazéns do Valongo, território tão familiar às performances do Sansão. Em sua época, os imensos galpões que tomavam conta da faixa de cais, do Valongo até a curva do Paquetá, estavam "novinhos em folha" e eram testemunhas de uma vida pulsante na beira do cais, fosse com os trabalhos de embarque ou pela chegada de cargas e imigrantes. Pedro até que tentou explicar ao amigo que a Prefeitura vem, há anos, prometendo transformar o lugar num imenso "boulevard", a fim de resgatar a essência alegre do passado. Jacinto, porém, não botou muita fé. Por outro lado, o estivador ficou boquiaberto diante dos modernos terminais do porto, principalmente os equipados com enormes portainers. Apesar da evolução natural, em decorrência do progresso, o "espanhol" nem podia imaginar que um dia os "puxa-sacos" (categoria da estiva a qual estava ligado) iriam deixar de existir, assim como as carroças, que dariam lugar para os veículos motorizados. Outro terminal que entusiasmou Jacinto foi o de passageiros. Nem mesmo em seus sonhos mais profundos ele poderia imaginar que os dois morros de Outeirinhos dariam lugar para o berço de atracação para navios tão luxuosos e belos. Quando Pedro lhe falou que Santos havia se tornado um dos principais destinos de cruzeiros de lazer no Brasil, Jacinto pareceu não ter se espantado. Afinal, a cidade, à sua época, já recebia os imponentes navios ingleses da Royal Steamboat Packet e outros tantos que também transportavam passageiros com luxo e comodidade.
Num rápido giro pela orla santista, o velho Sansão do Cais ficou assombrado com o tamanho dos imensos arranha-céus da praia, em especial dos mais recentes, verdadeiras fortalezas de luxo e ousadia. Jacinto lembrou-se do impacto que causou, em sua época, a construção dos ricos palacetes, que começavam a tomar conta da praia da Barra, aos montes, em decorrência da riqueza do café. Eram verdadeiras mansões à beira-mar, tal qual as atuais mansões suspensas, erguidas em prédios de alto luxo e condomínios exorbitantes.
O estivador Jacinto estava encantado com o automóvel. Afinal, jamais vira um em sua vida, apesar de saber que já existiam alguns na capital. Os únicos transportes urbanos terrestres que conhecia eram os bondes e as carruagens movidas a cavalos e burros. Se tivesse que ir para outra cidade, havia o trem. O estivador quis saber de Pedro quais eram os transportes atuais do povo. O amigo do futuro, então, lhe falou sobre os ônibus, que eram como bondes, só que não trafegavam sobre trilhos, mas sobre rodas de borracha, e que viviam quase sempre lotados. Pra piorar, os veículos contavam com um único homem para a função de motorista e cobrador, ao mesmo tempo. Absurdo! disse Jacinto. Jamais um condutor tem que ser cobrador!
O estivador, quando explicado sobre a motorização daquelas carruagens sem cavalos, acreditou que o transporte futurista deveria ser bem mais rápido do que os velhos bondinhos puxados por muares. Ledo engano, disse Pedro. Na época de Jacinto, uma viagem da Praça Mauá até o Boqueirão da Barra, de bondinho, levava pelo menos um hora, isso se os burrinhos estivessem de bom humor. Hoje, disse Pedro, leva-se quase o mesmo tempo, sendo que o bom humor teria de partir do trânsito da cidade. Se o motorista partisse de seu destino na hora do "rush", a coisa pode ficar feia. Apesar de não ter entendido o que significava aquela palavra em inglês, Jacinto acreditou ter entendido o que representava, uma vez que Pedro a associou ao imenso congestionamento que pegaram na divisa de Santos com São Vicente bem na hora do almoço.
Livre do engarrafamento, o estivador ainda percorreu com o amigo do futuro várias outras atrações da cidade. Visitaram o shopping, pegaram um cinema 3D, foram até a praia jogar tamboréu e ao campo do Santos Futebol Clube. Jacinto lembrou-se que, na sua época, o esporte preferido do povo santista era o remo. Já o jogo de bola com os pés era coisa para os filhinhos da burguesia, em especial dos ingleses e alemães que mandavam e desmandavam nas grandes empresas da cidade. Ao saber que o principal time da cidade havia projetado o nome de Santos pelo mundo, Jacinto se orgulhou. E quis conhecer mais a fundo a história de atletas como Pelé, Pagão, Coutinho, Pepe, Giovanni, Robinho e Neymar. Quando olhou para a foto do atual camisa 10 do Santos, Paulo Henrique Ganso, notou que se parecia com o jovem paraense de Vila Belmiro, e sorriu. Esse cara deve ser o Sansão do futebol!
Depois de rodar a cidade pelo restante do dia, Jacinto decidiu que era hora de voltar para casa. Definitivamente, a cidade de Santos de 2012 o deixava sem fôlego. O lugar pacato, de pouco mais de 60 mil habitantes, apesar de insalubre e oferecer poucas oportunidades, ainda era o seu mundo, um lugar onde alcançara a fama, pela inusitada capacidade de carregar 300 quilos nas costas. Aqui, na fantástica Santos do Século XXI, sem mais herois anônimos, o incrível estivador talvez fosse, no máximo, uma atração de semáforo, como tantas que encontrou ao longo do passeio.
Fonte..:: Jornal da Orla
(fatos_históricos)

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