Povos inteiros, em certos meses, vinham mariscar na costa: escolhiam entre os Mangais algum lugar enxuto, onde se arranchavam e dali saíam como enxames de abelhas a extrair do lodo os testáceos marítimos.
É indizível a imensidade que colhiam de ostras, berbigões, amejoas, sururus de várias castas, e outros mariscos; mas a pesca principal era de ostras e berbigões, ou porque gostassem mais deles, ou porque os encontrassem em maior cópia, e colhessem com facilidade. De tudo isto havia, e ainda hoje há, muita abundância nos mangais da Capitania de S. Paulo.
Com os tais mariscos se sustentavam enquanto durava a pescaria, o resto secavam, e assim beneficiado conduziam para suas Aldeias, onde lhe servia de alimento por algum tempo. As conchas lançavam a uma parte do lugar onde estavam congregados, e com elas formaram montões tão grandes, que parecem outeiros a quem agora os vê soterrados.
Daqui nasceu escreveram alguns autores que é mineram a matéria de que se faz a cal, em várias partes da América. Enganaram-se, mas com desculpa, porque a terra, conduzida pelas águas e ventos para cima daqueles montões, formou sobre eles crustas tão grossas que nalgumas partes chegaram a ter capacidade para sustentarem, como sustentam, árvores bastantemente altas, que sobre elas nasceram e se conservam sempre viçosas. Tanta é a antiguidade destas Ostreiras, (assim lhe chamam na Capitania de S. Paulo), que a umidade pelo decurso dos tempos veio a dissolver as conchas de algumas delas, reduzindo-as a uma branda massa, a qual, petrificando-se pouco a pouco com o calor, formou pedras tão sólidas que é necessário quebrá-las com marrões ou alavancas, antes de as conduzirem para os fornos onde as resolvem em cal.
Destas conchas dos mariscos que comeram os índios, se tem feito toda a cal dos edifícios desta Capitania, desde o tempo da fundação até agora, e tarde se acabaram as Ostreiras de Santos, S. Vicente, Conceição, Iguape, Cananéia etc. Na maior parte delas ainda se conservam inteiras as conchas, e nalgumas acham-se machados, (o dos índios eram de seixo muito rijo) pedaços de panelas quebradas e ossos de defuntos; pois que, se algum índio morria ao tempo da pescaria, servia-lhe de cemitério a Ostreira, na qual depositavam o cadáver e depois o cobriam de conchas.
Fonte..:: Livro Memórias para a História da Capitania de São Vicente, de Frei Gaspar da Madre de Deus, vol 20. Livraria Itatiaia Editora Ltda – Belo Horizonte, 1975.
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